Descubro, com indisfarçável espanto, que é possível – e simples - desenvolver um gigantesco, complexo e eficiente sistema de infra-estrutura e logística de transportes, apesar das inúmeras adversidades, das quais, aliás, os holandeses tornaram-se aliados.
Espanto, porque a Holanda é um país minúsculo diante das dimensões continentais do Brasil. Espanto porque a Holanda é o único país do mundo que também cresce literalmente: a cada ano, o leito do mar do Norte é aterrado mais e mais, ampliando a extensão geográfica do país na marra.
Espanto, porque 33% dos 42 mil quilômetros quadrados do país poderiam desaparecer em questão de horas, se o mar do Norte resolvesse tomar tudo de volta, estourando os mais de 50 diques que os mantêm em harmonia.
Espanto, porque, no inverno, a temperatura pode chegar a -25 graus, como ocorreu (uma vez, é verdade) em 1962. E o país continua sempre no mesmo ritmo, com os dez graus negativos de sensação térmica, em média - felizmente, ainda estamos no outono, quando o termômetro varia de 6 a 12 graus positivos.
Espanto, porque há pouco mais de 60 anos, a Holanda teve de reconstruir-se a partir do pouco que sobrou da segunda guerra que a devastou, em um século. E o fez de forma tão organizada que, para nós, brasileiros, chega a ser monótona, mas admirável, tanta perfeição.
Espanto, porque a superação a que os holandeses foram obrigados a se submeter os fez desenvolver um sistema de administração pública que parte da seguinte premissa: se um cidadão tem um projeto e recursos para investir e se o Estado percebe que tal projeto vai promover o desenvolvimento, ao cidadão é oferecida toda a infra-estrutura necessária para realizá-lo. Assinam um termo de compromisso e vai cada um cuidar do que faz melhor. Um, administra o país; outro, seu negócio. Todos ganham.
Simples, assim? É. Até o órgão responsável pelo licenciamento ambiental equivalente à nossa Fepam leva em consideração não apenas o impacto ao meio ambiente que o empreendimento vai provocar. Também analisa os benefícios que serão proporcionados à sociedade. Se a balança apresentar um equilíbrio razoável, autoriza em questão de semanas o cidadão a montar o negócio.
O melhor exemplo é a cidade de Almere, no norte do país, próxima a Amsterdam. Onde havia um rio, os holandeses, com suas dragas tão poderosas, que as exportam para todo o mundo, resolveram aterrar um cantinho. Fizeram uma ilha. Sobre a ilha, fizeram uma cidade. Agrediram o meio ambiente para torná-la realidade, mas compensaram de diversas formas.
A mais interessante é o sistema de coleta de lixo, automatizado e subterrâneo. Os dejetos seguem por baixo da cidade direto para uma usina de reciclagem, que produz o biogás que alimenta a própria cidade. Vivem cerca de 100 mil pessoas felizes, ali. O cantinho virou um grande centro.
Burocracia, em holandês, se escreve bureaucratie. Uma palavra tão feia no idioma deles (quanto no nosso), que o povo deste país prefere deixá-la restrita ao dicionário. Que, em holandês, é woordenbook.
(Na foto, a ponte Erasmusbrug, em Rotterdam, sobre o rio Reno)
(Na foto, a ponte Erasmusbrug, em Rotterdam, sobre o rio Reno)